segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Um relato carinhoso da Morgana

 

As manotas de uma bolsista Serelepe

Por Morgana!


Foto: arquivo


Ah! Neste texto, que poderia ser acadêmico e relacionar tudo que aprendi com o Serelepe e a graduação em Teatro, resolvi escrever em forma de notas, ou melhor as “manotas” de uma bolsista Serelepe, as minhas impressões, sensações e um pouco daquilo que vivenciei no Serelepe: Brinquedorias sonoras e cênicas.

Eu entrei na UFMG em agosto de 2013. Lembro-me que, quando cheguei na Escola de Belas Artes, nossa amada EBA, eu me sentia nua, crua, insegura, apavorada e incapaz diante de tantas possibilidades e oportunidades que estava tendo contato.

Na minha turma havia muitas pessoas como eu, com poucas ou nenhuma experiência prévia com Teatro antes da graduação. A maioria dos veteranos parecia já ter encontrado seu caminho. Aos poucos essa turma foi se descobrindo. Tinha o povo do corpo, da dança, do teatro físico. Havia o povo da voz, da música. Havia o povo do cenário, do figurino, da luz, o povo do Stanislavski, o povo do Brecht, até o povo do Teatro religioso (não sei se é uma categoria, mas é certamente uma classificação).

Aos poucos cada um ia descobrindo seu caminho. Eu, que tinha passado anos fazendo Teatro religioso, não conseguia espaço para levar o que aprendia no curso para meus grupos religiosos. Havia resistência por parte deles, por eu ser a mais jovem do grupo e também um certo preconceito, um conceito prévio do que seria a prática teatral. Bom, até hoje, nós artistas ainda enfrentamos preconceitos e aos poucos estamos conquistando espaço e provando nossa seriedade e sobretudo como nosso trabalho é relevante para sociedade.

 

Clara Dias e Morgana no estúdio da UFMG Educativa

O primeiro período passou, veio o segundo e me sentia mais deslocada ainda. No terceiro período, praticamente todos meus colegas de classe haviam decidido um caminho, uma pesquisa, uma linha ou um professor a seguir.

Em outubro de 2014, conheci o Serelepe, na disciplina de Seminário de Teatro e seu Ensino, na época ministrada pela professora Rita Gusmão. Em uma das atividades, o Professor Eugênio Tadeu Pereira, Tadeu para os íntimos, estava ministrando uma oficina, apresentando o Programa de Rádio Serelepe. Nessa oficina, a gente experimentou fazer dramaturgia, no formato de roteiro de rádio, foi muito legal. Lembro-me de agradecer a professora pelo seminário e de dizer a ela "acho que finalmente tô me encontrando adorei conhecer o Serelepe”.

Em 2015, fiz a disciplina de Programa de Rádio Serelepe. No começo da disciplina foi tudo maravilhoso, os ensaios, as ideias, a feitura do roteiro para gravação, até o chegar a minha vez gravando... foi terrível, eu quis fugir, sair correndo e o pior foi o final, na hora de falar sobre nosso blog, eu fiquei cerca de 30 minutos tentando falar Blogspot, só saia blog sport, blog esporte e por aí vai …

Naquele dia, pedi desculpas aos colegas que gravavam comigo e quis fugir da rádio, cavar um buraco e esconder minha cabeça até o fim do mundo. Mas o Tadeu insistiu e não me deixou desistir. No mesmo momento passei por uma grave crise depressiva e decidi largar a faculdade e ele também não permitiu. Na época, ele era coordenador do curso. E ele disse algo que eu achava que fosse algo para me animar, mas era real e se realizou. Ele disse "eu gostaria de trabalhar com você se eu tivesse a oportunidade". Eu disse que não sabia fazer nada, não tinha caminho, pesquisa nenhuma e nada, mas ele repetiu.

Em 2016, o projeto de extensão do Serelepe, na época era: Serelepe uma pitada de música infantil e virou Projeto de Extensão Serelepe brinquedorias sonoras e cênicas, nessa transição abriram um edital para bolsista e eu me inscrevi. Eu iria trabalhar  com o Tadeu!

Lembro-me que teve uma entrevista e eu estava super nervosa, aí ele explicou todo o projeto e no final, perguntou se eu tinha alguma dúvida, falei que sim: "eu posso errar?". Nesse momento o Tadeu deu uma baita gargalhada e ficou lá rindo por segundos que, para mim pareciam horas. Aí ele percebeu que eu não compartilhava daquela alegria, ele viu que eu perguntava de verdade, se eu podia errar. Ele, então, respondeu: é claro uai! Todo mundo erra, algo assim, pois não me lembro exatamente das palavras. Nesse momento, me deu um alívio, “ufaa, eu posso errar!” Agora com o aval de poder errar, posso experimentar, posso arriscar, posso viver, posso ser tudo, até eu mesma…

Meus primeiros erros eram de português, eu escrevia os textos deste blog, e até hoje tô tentando descobrir onde colocar as vírgulas, não sei porque mas meu GPS de vírgulas sempre falha, mas antes era bemmmm pior, Tadeu sofreu nas correções, até este texto passou pelos olhos do Tadeu para garantir que o português siga vivo. O Tadeu tem uma habilidade ímpar: ele corrige o texto mas mantém a alma daquele que escreve, nem todos “editores” tem a mesma humildade.

Escrevi muitos roteiros do programa Serelepe também, mais ou menos uns 25, com ou sem vírgula. Não deixava o medo paralisar minha criação, errava o português, o espanhol, o blog sport digo Blogspot, mas continuava seguindo.

Cada vez mais eu me aprofundava mais em Serelepe, na rádio, na disciplina, no grupo de estudos de Jogos tradicionais para o Teatro, no grupo. Em 2016 fizemos várias oficinas e eu participei. Algumas pude até conduzir os jogos, gravamos um DVD, um CD e até escrevi no livro do Serelepe, trabalho não faltava.

Uma das minhas tarefas era digitalizar os CDs que o Duo Rodapião e o Grupo Serelepe tinham, eram cerca de 500 CDs de vários países da América Latina e de outros continentes. Eu ouvi pelo menos uma música de cada um desses CDs. Por fim, eu conseguia até indicar aos alunos que faziam a disciplina Programa de Rádio Serelepe, grupos ou músicas para realização dos programas de rádio.

Em 2017, por meio da vivência do Serelepe, eu fui ganhando confiança em mim mesma, no conhecimento que estava recebendo do Serelepe e criei um grupo de brincadeiras que chamava Patumtum que depois virou Uatata Brincadeiras. Assim, com muito incentivo do Tadeu, eu me inscrevi, juntamente da Clara Dias, para ministrar oficinas de brincadeiras no 13º Mocilyc na Argentina. O Mocilyc é o Movimento da Canção Infantil Latino-americana e Caribenha. Nesse encontro, reúnem-se artistas, professores, pensadores, músicos, produtores de música para as infâncias. E, no meio de muitas propostas, inclusive daqueles artistas dos CDs que eu ouvi, fomos escolhidas.

Fui para Argentina sem saber falar espanhol e ministrei oficinas para pessoas que não falavam nada em português. Por fim, conseguimos falar a linguagem da brincadeira e era tão natural a compreensão, que por fim, eu falava mineiro uai e eles entendiam.

Quando voltei da Argentina, algo havia mudado em mim. Eu, eu não tinha mais medo de errar e fui experimentar outros caminhos também, como a direção teatral, a iluminação, a palhaçaria, a música, a voz. Eu podia fazer tudo, me sentia capaz, afinal eu era uma bolsista Serelepe.

Em 2018, eu montei um percurso, melhor, um plano de aulas para criação do meu TCC. O Tadeu nos ajudou a criar instrumentos e naquele momento, foi como outro aval para errar. (Eu queria que todos os atores tocassem na peça, e, tirando a Clara Dias, os demais atores não eram musicistas). Quando o Tadeu mostrou para gente que até as chaves podemos tocar, a gente quis tocar também e, com a ajuda das aulas do prof. Ernani Maletta, fomos nos atrevendo a tocar. Como  resultado, tocamos do início ao fim em meu espetáculo de TCC – Trabalho de Conclusão de Curso  - Sons de Outono.

Outra coisa bastante importante foi perceber e compreender o conceito de paisagem sonora. Eu havia aprendido algo sobre isso com Tadeu na disciplina de Oficina de Improvisação Vocal e Musical, o que me fez propor esse tema em meu TCC. Nós, atores, nos propusemos a investigar a memória da paisagem sonora da nossa infância e comparar com a paisagem sonora daquele momento e, a partir da escuta, criar jogos de improvisação musical que resultaram também na dramaturgia. Por fim, Sons de Outono, conta um pouco da vida de cada ator, através da paisagem sonora de sua infância e daquele momento presente. Sobretudo, a dramaturgia também mostra o meu percurso na UFMG até encontrar o Serelepe.

Em 2019, eu fiquei apavorada porque ia formar e tudo que construí  foi tendo como base a UFMG, o Serelepe e, quando eu me formasse, perderia toda minha base, perderia tudo, afinal as edificações se sustentam em sua base. Fiquei muito mal, até entender que o conhecimento não se perde,  é a nossa base, sempre estará ali para nos apoiar, assim como, nossa família, nosso estudo, nossas experiências, nossos amigos. E até hoje eles me erguem, evidentemente o Tadeu está inserido em cada base.

Eu me formei, no mesmo ano em que fui à Guatemala, ministrar oficina de brincadeiras no 14º Encontro do Mocilyc. Depois dessas experiências, fui convidada a ministrar oficinas em casas de brincar, em eventos, festas, ganhei uma profissão.

Em 2020, eu ainda estava voluntária no Serelepe, mas como a base era bem fundada, apareceu muitas oportunidades de trabalho que me impediram de permanecer no projeto. Até tentei. Permaneci até março na rádio, ajudando nas edições dos programas junto ao Cláudio Zazá. Em seguida, veio a pandemia, a aposentadoria do Tadeu e o fim desse projeto (que agora terá outra coordenação, outro caminho, igualmente enriquecedor), mas não será o fim do Serelepe. O grupo cênico musical permanece, a pesquisa, as oficinas e a gente. Todos os alunos que tiveram e têm como base o Serelepe, continuamos, e ainda vamos nos ver ou ouvir muito ainda.

Eu brinco, mas também é um pouco verdade, eu me formei em Serelepe com habilidade para Teatro. Fico feliz demais em fazer parte dessa história, em dividir com vocês, como o Serelepe é importante para mim, e sinto que da mesma forma que o Serelepe está em mim, eu também marquei meu lugar no Serelepe e vamos continuar seguindo.

Agradeço demais pela confiança ao Tadeu, Zazá, Gabriel, Regis e todos os estudantes, brincantes e pessoas que conheci por meio do Serelepe.

Despeço-me lhes concedendo o aval de errar também, sejam bem serelepes, tentem, investiguem, arrisquem, vivenciem várias experiências, afinal, até quando  perdemos ganhamos experiências! Podemos errar!

 

Foto: Salvador.

Duas turmas do projeto dentre as várias que tivemos.

Finda este blog!

Por Eugênio Tadeu

Com esse relato da querida Morgana, encerramos as publicações neste blog. Continuem acompanhando o Programa de rádio Serelepe: música e infância, coordenado pelas professoras da Escola de Música da UFMG Angelita Brook e Jussara Fernandino. No Instagram https://www.instagram.com/programa.serelepe/   e no novo Blog do programa: musica.ufmg.br/programaserelepe 

A Morgana com seu modo ímpar de ser foi muito importante no projeto Serelepe! A ela o meu carinhoso reconhecimento e abraço!

Ao Regis e Gabriel, grandes parceiros no Serelepe desde 2005. Hoje, continuamos com o grupo cênico musical fazendo estripulias por aí!

À Cris, que começou junto com a gente, o agradecimento pela amizade e dedicação ao projeto.

Regis, Gabriel, Cris, Tadeu e Zazá. Foto: Foca Lisboa

 A todas e todos bolsistas e voluntárias/os que participaram do projeto meu abraço de agradecimento!

Ao parceiro Cláudio Zazá, que nesses 16 anos de Programa de rádio, foi um amigo, colaborador, incentivador e grande técnico de estúdio que abrilhantou nossos programas.

À Rosaly Senra e ao Elias Santos, um obrigado muito especial, pois essas duas pessoas, padrinho e madrinha do projeto, me convidaram para começar esse programa de rádio, confiando no trabalho que vinha fazendo na UFMG, desde os tempos de docente no Centro Pedagógico com as aulas e com o Pandalelê: laboratório de brincadeiras e minha atuação no Duo Rodapião.

À PROEX-UFMG que sempre me apoiou nas aventuras que propunha em direção às produções artísticas dedicadas às crianças.

À Rádio UFMG Educativa o meu agradecimento por estar, durante todo esse tempo, confiando nas produções dedicadas às crianças e por ter aceitado o Serelepe em sua grade de programação.

Ao Centro Pedagógico e à Escola de Belas Artes a minha gratidão pelo acolhimento de meu trabalho nesses importantes e necessários espaços da universidade brasileira.

Viva a Universidade Pública, Gratuita, Inclusiva e de Qualidade no Ensino, na Pesquisa e na Extensão! Viva a UFMG!!!

PS: Acompanhe o Grupo Serelepe www.gruposerelepe.com.br  www.instagram.com/gruposerelepe www.youtube.com/serelepetv

2 comentários:

Anônimo disse...

Já da pra escrever um livro kkn

Eugênio Tadeu disse...

Verdade!!!